IA aplicando previsões na gestão de estoques de sangue e recrutamento de doadores em hemocentros.
A otimização de estoques de sangue e o recrutamento de doadores representam desafios contínuos nos hemocentros, com consequências diretas para a segurança dos pacientes e a eficiência dos serviços de saúde. A aplicação de técnicas de Inteligência Artificial (IA) e Machine Learning (ML) tem se mostrado promissora na melhoria desses processos, permitindo uma gestão mais precisa da oferta e demanda de hemocomponentes.
Este artigo revisa o uso dessas tecnologias no contexto dos hemocentros, abordando a previsão de demanda de sangue, a segmentação do recrutamento de doadores e a integração desses sistemas com a cadeia de transfusão. Através de exemplos de aplicação prática e análise de estudos recentes, discutimos as vantagens, desafios e as perspectivas futuras para a implementação dessas soluções em larga escala.

Inteligência Artificial e Machine Learning na Gestão de Hemocentros
A gestão eficiente de estoques de sangue é um desafio operacional crítico nos hemocentros, especialmente em países com grandes populações e sistemas de saúde complexos, como o Brasil. A ABHH (Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular) tem desempenhado um papel importante na orientação e regulamentação das melhores práticas para garantir a segurança e a eficácia da hemoterapia.
A escassez de tipos sanguíneos específicos e a validação dos hemocomponentes, com prazos de validade limitados, criam uma situação de alto risco, onde o desperdício e a falta de suprimento podem impactar diretamente a saúde pública (CARDONA et al., 2025). Tradicionalmente, a gestão de estoques de sangue e o recrutamento de doadores têm sido realizados de maneira reativa, com campanhas de doação frequentemente dependentes de abordagens pontuais e pouco baseadas em dados (MAYNARD et al., 2024).
A evolução das tecnologias de Inteligência Artificial (IA) e Machine Learning (ML) oferece uma nova perspectiva para esses desafios, proporcionando aos gestores a capacidade de antecipar picos de demanda e otimizar o processo de recrutamento de doadores, minimizando custos e melhorando a eficiência operacional (LI et al., 2025; BADAWI, 2025).
Este estudo explora como a IA e o ML estão sendo aplicados em hemocentros, analisando tanto a previsão da demanda por hemocomponentes quanto a personalização das campanhas de recrutamento de doadores.
- Previsão de Demanda de Hemocomponentes
A previsão precisa da demanda de hemocomponentes é fundamental para a gestão eficiente de estoques. Modelos de IA e ML, como redes neurais e algoritmos de séries temporais, têm sido amplamente utilizados para prever o consumo de sangue, considerando variáveis como a sazonalidade, eventos específicos (feriados, férias), demanda hospitalar e características da população (KWON et al., 2024). Tais modelos analisam dados históricos de consumo e realizam previsões de curto e longo prazo, permitindo que os hemocentros se antecipem às necessidades futuras.
O modelo preditivo aplicado aos hemocentros integra dados como:
- Histórico de consumo por tipo sanguíneo e por componente (hemácias, plaquetas, plasma);
- Sazonalidade e tendências regionais (ex.: maiores emergências no inverno ou durante feriados);
- Dados epidemiológicos e os tipos de procedimentos médicos previstos.
Pesquisas recentes indicam que o uso desses modelos preditivos pode reduzir significativamente o desperdício de hemocomponentes por vencimento e minimizar a escassez de tipos sanguíneos críticos. Um estudo de MAYNARD et al. (2024) revela que, ao aplicar algoritmos preditivos, os hemocentros conseguem manter níveis de estoque mais enxutos sem comprometer a segurança e a disponibilidade de sangue (MAYNARD et al., 2024).
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Recrutamento de Doadores com IA
O recrutamento de doadores é outro aspecto crucial da operação de hemocentros. A IA e o ML permitem segmentar de maneira eficaz a base de doadores, prevendo quem tem maior probabilidade de comparecer às coletas e otimizando os custos com campanhas de recrutamento. Modelos híbridos, que combinam redes neurais e técnicas clássicas de aprendizado supervisionado, analisam o histórico de doações, perfil dos doadores e até suas preferências em relação ao canal de comunicação (BADAWI, 2025).
A aplicação dessas tecnologias não se limita a prever apenas quem irá doar, mas também a personalizar a comunicação com os doadores. Com base em variáveis como a frequência de doação, canal preferido (WhatsApp, SMS, e-mail), localização e elegibilidade, é possível enviar mensagens direcionadas e em momentos ótimos para o doador (RATURI et al., 2023; GAMMON et al., 2024).
Essas abordagens resultam em campanhas mais eficientes, com menos recursos despendidos e maior taxa de retorno dos doadores. Um estudo de GAMMON et al. (2024) demonstra que campanhas personalizadas podem aumentar significativamente as taxas de retorno de doadores ao identificar, com alta precisão, quais indivíduos estão mais propensos a doar em um determinado período.
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Integração da IA com a Cadeia de Transfusão
Além da previsão de demanda e do recrutamento de doadores, a IA pode ser aplicada para otimizar toda a cadeia de transfusão, desde a coleta até a administração dos hemocomponentes ao paciente. A integração de IA com sistemas de monitoramento da cadeia do frio e registros de transfusão pode reduzir desperdícios e melhorar a segurança do paciente, garantindo que os hemocomponentes sejam mantidos em condições ideais e administrados de forma eficiente (LI et al., 2025; CARDONA et al., 2025).
Essa visão sistêmica traz benefícios como:
- Menos cancelamentos de cirurgias devido à falta de sangue;
- Uso mais racional de componentes de alto custo, como plaquetas e sangue irradiado;
- Melhor rastreamento e segurança no processo de hemovigilância.
A hemovigilância também se beneficia de IA para identificar padrões de reações adversas e otimizar a resposta a incidentes (MEHER, 2024). Modelos de ML podem ser usados para classificar automaticamente reações transfusionais, priorizando casos mais graves e permitindo investigações mais rápidas e eficazes (MEHER, 2024).
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Desafios e Perspectivas Futuras
Embora os benefícios da IA e do ML sejam evidentes, a implementação em larga escala enfrenta desafios, como a qualidade e a integração dos dados, a aceitação dos profissionais de saúde e as questões éticas envolvidas no uso de dados sensíveis. A governança de dados e a transparência nos modelos de IA são pontos essenciais para garantir a confiança da comunidade médica e dos doadores (MAYNARD et al., 2024).
Além disso, a capacitação técnica das equipes de hemoterapia, bem como a atualização contínua dos modelos de IA, são elementos chave para garantir que as soluções implementadas não se tornem obsoletas frente a novas demandas e cenários epidemiológicos.
Oportunidades
A adoção de IA e ML em hemocentros oferece uma oportunidade única para transformar a gestão de estoques e o recrutamento de doadores, tornando-os mais preditivos e eficientes. As tecnologias discutidas neste artigo não substituem a expertise humana, mas potencializam a capacidade de decisão e a ação antecipada. O uso dessas ferramentas pode aumentar significativamente a segurança transfusional, reduzir desperdícios e melhorar a experiência do doador, criando um ambiente mais sustentável e eficiente para os hemocentros.
A continuidade da pesquisa e o aprimoramento das tecnologias de IA e ML serão essenciais para garantir a sustentabilidade do sistema de hemoterapia no Brasil e em outros países com sistemas de saúde complexos, onde os recursos são escassos e a demanda por sangue está em constante crescimento.
Referências
BADAWI, M. A. Artificial intelligence in blood donor management: a narrative review. Vox Sanguinis, [S.l.], 2025. DOI: 10.1111/vox.70141. (ResearchGate)
CARDONA, D. C. V. et al. Artificial intelligence techniques in blood banks: a systematic review of predictive innovations. Acta Haematologica Polonica, Warszawa, v. 56, n. 4, p. 258-268, 2025. DOI: 10.5603/ahp.104427.(Journals Viamedica)
GAMMON, R. R. et al. The use of predictive modelling to determine the likelihood of donor return during the COVID-19 pandemic. Transfusion Medicine, Oxford, v. 34, n. 5, p. 333-343, 2024. DOI: 10.1111/tme.13071. (PubMed)
KWON, H. J. et al. Development of blood demand prediction model using artificial intelligence based on national public big data. Digital Health, [S.l.], v. 10, p. 1-13, 2024. DOI: 10.1177/20552076231224245. (PubMed)
LI, N. et al. Artificial intelligence and machine learning in transfusion practice: an analytical assessment. Transfusion Medicine Reviews, Philadelphia, v. 39, n. 4, p. 150926, 2025. DOI: 10.1016/j.tmrv.2025.150926. (PubMed)
MAYNARD, S. et al. Machine learning in transfusion medicine: a scoping review. Transfusion, Hoboken, v. 64, n. 1, p. 162-184, 2024. DOI: 10.1111/trf.17582. (PubMed)
MEHER, R. Hemovigilance and artificial intelligence: A way forward. Transfusion Clinique et Biologique, Amsterdam, v. 30, n. 4, p. 458-459, 2023. DOI: 10.1016/j.tracli.2023.08.004. (Pubmed)
RATURI, M. et al. The role of artificial intelligence in optimizing the donation process and predicting blood thresholds. Transfusion Clinique et Biologique, Amsterdam, v. 30, n. 4, p. 458-459, 2023. DOI: 10.1016/j.tracli.2023.08.004.(PubMed)
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