Prevenção do Suicídio: a importância de cuidar da saúde mental durante o ano todo
O mês de Setembro foi escolhido em 2015 para representar a campanha de prevenção ao suicídio. Apesar da campanha Setembro amarelo ser sediada em um único mês ao ano, ela reflete a necessidade do constante cuidado que precisamos ter com nossa saúde mental e com a de quem nos cerca. Nosso cotidiano pode gerar quantidades de estresse que podem afetar tanto nosso corpo físico quanto nossa estabilidade emocional.
Simples mudanças comportamentais podem indicar sintomas de um quadro maior que pode evoluir para o suicídio, por isso a necessidade de estar atento e consultar profissionais da saúde com frequência. Durante a quarentena não poderia ser diferente! E em termos de pandemia, novos enfrentamentos e fatores contribuem para agravar sintomas de depressão, ansiedade, síndrome do pânico e outras psicopatologias.
Convidamos a psicóloga Ana Flávia Freire de Lima (CRP 08/24814), para conversar conosco sobre a importância de cuidar da saúde mental todos os dias.
Sensorweb: O suicídio acontece somente com pessoas depressivas? O que leva uma pessoa a se matar?
Anna Flávia: De forma alguma. O suicídio está mais relacionado ao momento crítico que a pessoa está vivenciando. A depressão é apenas um dos vários transtornos que podem levar ao desejo de morrer. A dependência química, o alcoolismo e a esquizofrenia, por exemplo, também são fortes fatores riscos. As pessoas também podem pensar em se matar na existência de doenças físicas (sobretudo as dolorosas, incuráveis ou terminais), quando apresenta histórico de abuso físico, moral ou sexual, em casos de agressividade, impulsividade, pressões sociais ou situações de humilhação pública. Quando apresenta sentimentos de desesperança, culpa, remorso, medo, ansiedade, vergonha ou fracasso. Perdas significativas, que também podem ser decisivas (perda de dinheiro, de relacionamento, de status, emprego, morte de alguém, ou até perda de algum membro ou parte do corpo). Mas, acima de tudo, o que leva a pessoa a se matar é o acesso facilitado aos métodos lesivos, principalmente venenos, agrotóxicos, armas de fogo e medicamentos fortes.
Sensorweb: Os novos fatores proporcionados pela pandemia – tais como medo de contaminação, interrupção da fonte de renda, isolamento, privação de ver entes queridos, etc – podem ser a causa para acentuação de psicopatologias ou até mesmo o surgimento delas?
Anna Flávia: Com certeza. A pandemia tem sido mais um agravante em meio a tanta turbulência. O isolamento social, principalmente, tem acarretando em grandes aumentos nos quadros de transtornos de ansiedade e depressão. Esse impacto acontece, sobretudo, devido à dificuldade em lidarmos com algo novo, ao medo constante, às mudanças nos padrões de relacionamento familiar, incapacidade de relaxar, diminuição dos momentos de lazer e preocupação excessiva.
Sensorweb: Por que é tão difícil dar o primeiro passo na busca de ajuda?
Anna Flávia: Por dois principais motivos. O primeiro é que, dependendo de onde ou para quem a pessoa pede auxílio, sempre existirá a possibilidade da ajuda ser negada. Daí entramos em contato com o sentimento de rejeição, impotência ou de que não somos importantes o suficiente para que alguém nos doe um pouco do seu tempo. Mas o segundo motivo é que, para pedirmos ajuda, precisamos primeiramente deixar o orgulho de lado e confessar que existe um problema acontecendo (nem sempre está tão claro), aceitar que somos vulneráveis e que não damos conta de tudo.
Sensorweb: Quais os comportamentos que geralmente são um sinal de alerta para que procuremos ajuda médica?
Anna Flávia: São vários. Tristeza profunda, isolamento social, falta de planos para o futuro, autoagressão, abuso de substâncias, histórico de tentativas anteriores. Falas como “eu queria sumir”, “queria dormir e não acordar mais”, “vocês ficariam melhores sem mim”, “eu sou um peso pra vocês”. Além disso, repentina organização financeira, doação de objetos importantes (inclusive animais de estimação), envolver-se em atividades arriscadas (como dirigir embriagado), piora no desempenho no trabalho ou acadêmico, mensagens de despedidas e compra de materiais perigosos (corda, medicamentos, arma de fogo, gasolina, etc).
Sensorweb: O suicídio pode ser prevenido? Como podemos ajudar um conhecido que está pensando em tirar a própria vida?
Anna Flávia: Com certeza. Estimamos que 9 a cada 10 suicídios consumados poderiam ter sido evitados. Para ajudar, primeiramente chame para uma conversa (mas certifique-se de que terá tempo suficiente para ouvi-lo, porque interromper a conversa pode reforçar a ideia errônea de que a pessoa não tem valor); Depois ouça atentamente, seja compreensivo, sem julgamentos e sem dar conselhos. Tenha em mente que, independente dos motivos, a dor não é sua e por isso você não sabe o quanto está machucando; Durante a conversa, verifique se a pessoa já pensou ou está pensando em suicídio. Se sim, afaste dele(a) todos os métodos lesivos (facas, estiletes, venenos, medicamentos, cordas, armas de fogo); Em seguida incentive a busca por ajuda profissional, se necessário, acompanhe-o(a) até o psicólogo, psiquiatra, CAPS ou hospital psiquiátrico; E, nos próximos dias, mantenha contato com frequência (seja pessoalmente, seja por telefone ou mensagens). Esteja presente. Mostre que está disponível e que essa pessoa pode contar com todo seu apoio.
Sensorweb: Quais são os tratamentos mais indicados?
Anna Flávia: Depende do grau de cada caso e dos resultados da avaliação, mas geralmente fazemos um trabalho multiprofissional com psicólogo e psiquiatra. Em algumas situações precisamos, também, recorrer ao internamento.
Existem formas de lidar com estas adversidades além da psicoterapia?
Anna Flávia: Falar sobre os sentimentos com alguém de confiança, fazer coisas que dão prazer, separar um tempo todos os dias para ter seu momento de lazer, relaxar, ter boas noites de sono, tomar sol, beber água, evitar excessos de informações negativas, fazer atividades físicas, alimentar-se com qualidade, manter uma rotina, reforçar laços de amizade. Tudo isso ajuda a lidar melhor com situações estressoras. Mas não anulam a importância do auxílio profissional em casos de agravamento dos sintomas.
Sensorweb: E em caso de crianças e adolescentes? Quais os sinais de alerta para os pais?
Anna Flávia: É importante identificar os riscos o quanto antes, sempre levando em consideração que os sinais de alerta podem ser diferentes daqueles desempenhados por adultos. Sintomas como apatia, baixo desempenho na escola, isolamento, automutilação, dor de barriga, dor de cabeça, inquietação, mudança no apetite, insônia, pesadelos, agressividade, falta de prazer nas brincadeiras ou pensamentos de não ter valor ou de se sentir um peso são todos enormes sinais de alerta.
Sensorweb: Qual a maneira mais adequada de falar sobre suicídio na internet?
Anna Flávia: É importante falar sobre o ato, mas sempre tomando o cuidado para não promovê-lo. Devemos sempre buscar fontes de informações confiáveis e jamais tratar o tema de forma sensacionalista. Ao noticiar uma morte, por exemplo, nunca se deve expor qual o método ou local utilizado pela pessoa para consumar o ato. Devemos também falar abertamente sobre transtornos mentais e sobre tudo o que pode causar esse desejo de morte, mas sempre se atentando para não apontar o suicídio como uma forma de resolver esses problemas. Temos que falar sobre o impacto da morte na vida dos amigos e familiares, sobre os danos que as tentativas podem causar em casos não-letais (como danos cerebrais e paralisias) e sobre as possíveis alternativas que não seja a morte. Tudo isso sempre com muito zelo, cuidado e humanização.
Sensorweb: Vemos que não é um assunto tão debatido, mesmo sendo de suma importância. Você acha que nossa sociedade ainda precisa aprender a falar sobre o suicídio e as doenças relacionadas a ele?
Anna Flávia: Precisamos com urgência. Só para se ter ideia, estima-se que 50 a 75% das pessoas que cometeram o suicídio falaram sobre seus sentimentos ou seus desejos de morte antes do ato. Mas, como não estamos treinados a identificar o riscos e, principalmente, por ainda se tratar de um assunto carregado de tabus, essas mortes acabaram não sendo evitadas. Quanto mais falarmos sobre isso, maiores serão as chances de prevenção.
Sensorweb: Se algum leitor estiver pensando em suicídio, onde ele poderia buscar ajuda profissional nesse momento? Existe algum suporte online ou seria apenas presencial?
Anna Flávia: Pode buscar ajuda no CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) da cidade em horários comerciais. Também pode entrar em contato com um psicólogo ou psiquiatra para uma consulta presencial ou remota. Além da opção do CVV (Centro de Valorização da vida) que oferece atendimento gratuito pelo chat do site, e-mail, endereço ou ligando no 188. Caso a tentativa de suicídio tenha ocorrido, deve-se ligar ao SAMU (192) ou Corpo de Bombeiros (193) para atendimento imediato.
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