Indústria farmacêutica, a cadeia do frio e seus desafios

Você com certeza já fez uso de algum tipo de medicamento, o brasileiro é um dos campeões mundiais neste tipo de consumo. E, por acaso, você já parou para pensar que a maioria dos medicamentos podem sofrer alterações ou serem danificados por fatores como calor ou frio excessivos? A umidade alta também pode afetar estes produtos. Então, neste cenário de um país tropical com variações de até 30 graus entre alguns estados, você já se perguntou:

Como as medicações são transportadas até os hospitais, clínicas e farmácias, e como elas são armazenadas nestes locais?

O transporte adequado é um dos grandes desafios da indústria farmacêutica atualmente – vacinas, biomedicamentos, hemoderivados, amostras biológicas entre outros produtos que necessitam de controle de temperatura, especialmente quando ainda não existem regulamentações específicas em âmbito federal, estadual e municipal. Soma-se a isso, ainda, uma carência de conscientização das boas práticas em todos os pontos da cadeia logística gerando uma infraestrutura deficiente.

Vamos relembrar? Tudo começa na fabricação do produto e vai até sua chegada ao consumidor final. Nesse caminho que passa por várias empresas e pessoas, muitas normas devem ser cumpridas para que a qualidade seja garantida, principalmente quando se trata de produtos da cadeia do frio (cold chain).

OMS

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que metade das vacinas produzidas em todo o mundo chegam a seus destinos já deterioradas, em função da quebra da cadeia do frio. A maior falha está no controle da temperatura (cerca de 40%), o que compromete a qualidade do produto, gerando riscos à saúde.

Para um processo eficiente são necessários equipamentos e insumos adequados:

  • Local de armazenamento com controle de temperatura;
  • Espaço suficiente para o armazenamento de todos os produtos, garantindo a refrigeração homogênea;
  • Embalagens térmicas resistentes, capazes de conservar a temperatura interna considerando a temperatura externa;
  • Tempo de transporte.

Transporte

Os veículos refrigerados ou as maletas térmicas utilizados para transporte devem ter controle de temperatura com registro histórico destas informações, rotina de limpeza e não devem transportar outros produtos ao mesmo tempo. As pessoas envolvidas na cadeia do frio precisam estar capacitadas e ter conhecimento sobre: o que é cadeia do frio; qual sua importância;  quais insumos; e equipamentos devem ser utilizados; alem de saberem como os produtos devem ser armazenados e transportados.

Para garantir a eficácia de todo o processo é preciso controlar a demanda para que, a cada embarque, se tenha o resultado do monitoramento da temperatura ao longo de toda a cadeia antes da liberação do produto para o cliente final. Isso é decisivo, e varia conforme o grau de criticidade do produto transportado.

Um produto de maior estabilidade, ou seja, mais resistente à variações das condições ambiente, por exemplo, pode não requerer um monitor/registrador de temperatura em todos os embarques, dependendo da distância e tempo de transporte. Já produtos mais sensíveis podem necessitar deste tipo de controle para garantir que não ocorreram variações nas condições durante o trajeto. Quando as normas de armazenamento e transporte não são observadas, o produto  pode sofrer perda da eficácia ao longo de sua vida útil, podendo haver necessidade de destruí-lo.

Em um país com dimensões territoriais tão grandes e condições climáticas variadas como o Brasil, a logística dos produtos termolábeis, ou seja, que dependam de temperatura controlada é um desafio para os laboratórios, operadores logísticos, transportadoras, distribuidoras e, principalmente, para o profissional encarregado do acompanhamento e da qualificação desse processo para toda a cadeia do frio.

Além disso, são comuns os atrasos durante o transporte, o que coloca a qualidade do produto em risco quando o controle de temperatura não pode ser mantido. Este desvio das condições de armazenamento aprovadas para um produto altera sua vida útil, da sua fabricação até o seu uso no último dia do prazo de validade.

Regulamentação

Atualmente, a legislação brasileira busca normatizar a cadeia do frio que está focada nos biomedicamentos, a RDC n° 55/2010. Contudo, mesmo com as resoluções próprias da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), existe um gap considerável de regulações que poderia ser sanado a partir da concentração destas normas em uma regulamentação única.

No Brasil, há vários biomedicamentos ou biológicos em uso: insulina recombinante, interferon (diabetes), eritropoietina (anemia causada por falência renal), fatores de crescimento e anticorpos monoclonais (usados no tratamento de doenças autoimunes, no câncer e após um transplante). Vacinas e antissoros também são considerados biológicos. O remédio Avastin, um anticorpo monoclonal, é um dos remédios contra o câncer mais usado no mundo.

Está em produção um guia específico referente à qualificação de transporte para produtos biológicos que será lançado em breve. Segundo Jair Calixto, gerente de Boas Práticas e Auditorias Farmacêuticas do Sindusfarma, “a tendência é que as agências regulatórias mundiais estabeleçam requisitos cada vez mais restritos para o controle desses produtos.”

RDCs

As premissas para esse guia incluem informações sobre o tipo de sistema de transporte a ser utilizado. Esse deverá ser decidido de acordo com o tamanho do carregamento, a natureza do produto e o risco apresentado pelas flutuações de temperatura.

As qualificações deverão ser realizadas seguindo um protocolo pré-aprovado. Este protocolo deverá ser detalhado, descrevendo os tipos de transporte (aéreo, marítimo, terrestre etc.) necessários durante toda a rota e especificando em que condições ocorrem (caminhão refrigerado, por exemplo) e por quanto tempo. Ainda deverá ser informado o tipo de sistema de refrigeração utilizado, bem como a sua localização no transporte e a quantidade utilizada, segundo a gerente de Produtos Biológicos da Anvisa, Daniela Marreco Cerqueira.

Calixto cita ainda em matéria publicada no Labnetwork, “Os desafios da cadeia do frio na indústria farmacêutica”, sobre as normas RDC 50/2011 e RDC 25/2013, relativas a procedimentos para realização de estudos de estabilidade para produtos biológicos; RDC 10/2011, relativa à garantia de qualidade para produtos importados, e a RDC 234/2005, relativa aos requisitos técnicos para a importação de produtos biológicos.

Em estudo realizado nos Estados Unidos (EUA) sobre a distribuição de biomedicamentos, vamos conhecer e analisar: as diferenças na logística americana e que melhorias poderiam ser pensadas sobre a nossa logística brasileira. O estudo na íntegra está disponíveis no artigo (em inglês) Pharmaceutical Cold Chain: A Gap In The Last Mile.

FDA emite diversas advertências.

Diversos compostos farmacêuticos são danificados quando entram em faixas de calor ou frio excessivos à sua temperatura. Os distribuidores que entregam medicamentos devem manter a temperatura e umidade preconizadas no rótulo, a não ser que o fabricante diga que não é necessário.

Na gestão da cadeia do frio nos EUA, a atual regulamentação da Food and Drug Administration (FDA) prevê o seguinte: “armazenamento de medicamentos em condições adequadas de temperatura, umidade e luz para que a identidade, força, qualidade e pureza dos produtos não sejam afetados”. Porém, nos últimos cinco anos, o FDA emitiu várias cartas de advertência solicitando que os fabricantes controlassem melhor as temperaturas de distribuição.

As embalagens para produtos farmacêuticos termolábeis.

Segundo o estudo, essas embalagens podem incluir vários tipos de materiais, como: poliestireno; poliuretano; painéis a vácuo; e até gel. Diversas opções para manipular e manter a temperatura. Para o fabricante da droga, o intervalo de temperatura de transporte pode variar de acordo com a temperatura de etiqueta e com o tempo de transporte.

O texto ainda relata que, em testes pós-validação, os fabricantes de medicamentos compram géis pré-condicionados para limites de temperatura pré-qualificados, além de outros produtos, para coincidir exatamente com os projetos validados de acordo com Procedimentos Operacionais Padronizados (POPs).

O que foi encontrado no estudo?

Para avaliar o controle de temperatura de produtos farmacêuticos recebidos de distribuidoras, a Thermal Packaging Solutions (TPS), empresa norte-americana especializada em soluções de embalagens térmicas, e o Brigham and Women’s Hospital (BWH), hospital de renome mundial, uniram-se para um estudo de caso. É importante saber aqui que o BWH recebe remessas farmacêuticas diretamente de um dos três maiores distribuidores dos EUA várias vezes por semana.

Foi selecionado um carregamento representativo, que incluía vários medicamentos empilhados para inspecionar os recipientes dos produtos refrigerados que foram identificados e analisados. Nessa avaliação foram encontradas algumas caixas de produtos em contato direto com o gel congelado. Não havia plástico bolha ou outro divisor separando o produto congelado do gel. Muito menos tinha um monitor ou indicador de temperatura. Em outro pacote, um bloco de gel congelado estava diretamente em cima dos produtos sem nenhum divisor. Enquanto em outra caixa havia conjuntos de 3 géis em sacos plásticos finos empilhados de um lado, mas em contato direto com as embalagens dos produtos. Também não havia monitor ou indicador de temperatura incluído no embarque.

Nos casos citados, os géis congelados estavam a -20ºC e em contato direto com os produtos refrigerados (muitos sendo rotulados com indicação de temperatura de 2 a 8ºC). Mesmo que a aproximação dos géis fossem para produtos que indicavam uma temperatura -10ºC. O fato de todos estarem muito próximos uns dos outros alterou a temperatura indicada. Lembrando que o plástico para proteção e bloqueio parcial da temperatura era: inexistente ou fino demais para isolar. Ou seja, a entrega desses produtos foram feitas em temperaturas abaixo de zero ou congelados.

O que foi feito após o estudo?

Após o estudo, foram realizadas discussões hospitalares relativas aos pacotes e à preocupação para manter temperaturas adequadas. Nessa falas foi evidenciado a necessidade de incluir separadores com bolhas de ar nos embarques. Além disso, o hospital referido solicitou uma auditoria nos locais de acondicionamento, utilizando o Questionário de Auditoria da Distribuidora Hospitalar, desenvolvido pela Thermal Packaging Solutions. O questionário solicitava informações como: operações realizadas no local; controle; armazenamento e inventário de bens vendáveis; manipulação de pedidos de clientes; pacote de qualificação; e gerenciamento de temperatura.

Infelizmente, várias semanas mais tarde ainda eram poucas as melhorias na cadeia do frio analisada e havia preocupação com inconsistência nos pacotes. Foram encontrados alguns géis em plástico bolha, mas outros ainda estavam em contato direto com o produto.

Conclusão

Nota-se que mesmo nos Estados Unidos esta preocupação é pertinente e problemas ainda são encontrados em todos os elos da cadeia do frio. Portanto, não basta apenas a Anvisa regulamentar e estruturar normas, é necessário utiliza-las tanto quanto guias de referência, como o disponibilizado pelo ISPE. Essas práticas são importantes para garantir a estabilidade e confiabilidade dos produtos e medicamentos. Afinal, é de interesse de cada um dos envolvidos no processo que as regras sejam cumpridas preservando assim a vida. Seja ela de seus próximos e como também daqueles muitos que nunca conhecerão, mas que dependem de uma cadeia do frio confiável para melhorarem a saúde. 

Para garantir a qualidade necessária é que a tecnologia traz cotidianamente novas soluções para esta área. Cabe a nós, enquanto sociedade, questionarmos como é realizado o armazenamento dos medicamentos que compramos.

E então, ficou com dúvidas sobre a importância de manter as medicações em temperaturas ideais? Já teve algum problema que resultou a partir do transporte inadequado de medicamentos e que chegou até o seu ambiente de trabalho? Deixe seu comentário! 
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